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Tratamento abrangente e focal: no que consistem e qual a efetividade?

  • Postado em 04/02/2021
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As intervenções direcionadas ao transtorno do espectro autista podemser classificadas quanto a sua intensidade. As variações nessa intensidade têmsido descritas na literatura como intervenções abrangentes e focais.
A intervenção abrangente consiste em um conjunto amplo de objetivosvisando um impacto global nos déficits centrais do autismo.  Para contemplaresses objetivos são características inerentes a esse tipo de intervenção osubstancial   número   de   horas   e   a   longa   duração.   Alguns   exemplos   deintervenções   abrangentes   cujo   conjunto   de   procedimentos   foramoperacionalizados em manuais são o modelo Lovaas (Lovaas, 1987), o modeloDenver (ESDM; Dawson et al., 2010), o Treino de resposta pivotal (PRT,Koegel & Koegel, 2012), dentre outros.
Já   a   intervenção   focal   é   direcionada   para   um   limitado   número   dehabilidades   ou   objetivos   e,   portanto,   costuma   ser   de   menor   duração   eintensidade em relação à intervenção abrangente. Intervenções focais podemser módulos dentro de intervenções abrangentes e programas educacionais.Exemplos de intervenções focais são o PECS (Bondy & Frost, 1994) e aanálise funcional do comportamento (FBA, Didden et al., 2006).
O   BCBA  define   que   a   variação   de   carga   horária   nas  intervençõesabrangentes   varia   entre   30   a   40   horas   semanais,   enquanto   que   asintervenções focais devem variar de 10-25 horas por semana, com a cargahorária sendo definida a depender da natureza dos comportamentos alvo ououtras   considerações.   Por   exemplo,   comportamentos   graves   que   podemcolocar a vida do indivíduo em risco podem requerer a carga horária mais altapor um período de tempo.
Resultados   de   estudos   mostram   que:   1)   tratamentos   com   maiorintensidade produzem melhoras mais acentuadas em relação àqueles comintensidade mais baixa. 2) Tratamentos ecléticos, isto é, aqueles que envolvemintervenção   ABA   junto   com   uma   mistura   de   tratamentos   de   diferentesabordagens, têm se mostrado inefetivos para a maioria das crianças comautismo (BCBA, 2019). Por essa razão, a recomendação do BCBA é que sejacontada a carga horária do paciente na intervenção ABA direta, descontando-se a carga horária das outras terapias.
Idealmente, a definição da carga horária de intervenção não deveria sebasear em critérios como idade do paciente, condição econômica da família, eliberação pelos planos de saúde, mas sim nas necessidades médicas dopaciente, avaliadas por equipe competente.
No Brasil, estamos a passos mais distantes do que é preconizado pelasevidências  científicas   no   que   diz  respeito   a   intensidade   do   tratamento,   acomeçar pela urgente necessidade de regulamentação da própria certificaçãodo   analista   do   comportamento   que,   felizmente,   tem   sido   mobilizada   poranalistas do comportamento vinculados a Associação Brasileira de Psicologia e Medicina   Comportamental,  pelos   fatores   econômicos   familiares   e   queperpassam   as   autorizações   do   planos   de   saúde,   escassez   de   políticaspúblicas, e pelas próprias características de nossa população. 
Supervisões   realizadas   em   ambiente   escolar   e   destinada   aoscuidadores, ainda que não sejam contadas como carga horária de intervençãodireta,   são   importantes   para   promoção   do   bem-estar   e  aprendizado   doindivíduo com autismo e, de modo algum, devem estar de fora do planoterapêutico. Incluindo a clara necessidade de generalização de habilidadesaprendidas para novos ambientes e diante de diferentes pessoas, em especial,aquelas que convivem mais tempo com o paciente.
Porém,   como   preconizado   no   documento  Clarifications   RegardingApplied   Behavior   Analysis   Treatment   Autism   Spectrum   Disorder:   PracticeGuidelines   for   Healthcare   Funders   and   Managers   (2nd  ed.),   “apesar   deesforços deverem ser feitos para envolver os pais e outros cuidadores notratamento, tanto quanto possível, os clientes não devem ser privados de sebeneficiar de intervenções ABA clinicamente necessárias, se o envolvimento docuidador é menor que o ideal”. Essatem sido a luta de cada dia de familiares eprofissionais sérios envolvidos com a causa.

Referências:
Behavior Analyst Certification Board (2019). Clarifications Regarding Applied Behavior Analysis Treatment Autism Spectrum Disorder: Practice Guidelines forHealthcare Funders and Managers (2nd ed.). Disponível em: https://www.bacb.com/wpcontent/uploads/2020/05/Clarifications_ASD_Practice_Guidelines_2nd_ed.pdf

BONDY, A. S.; FROST, L. A. PECS: the picture exchange communicationsystem training manual (1994). In: CHERRY HILL, N. J.Pyramid educationalconsultants, PECS Inc., 78 p.

Dawson,  G.,  Rogers,  S.,  Munson,  J.,  Smith,  M.,  Winter,  J.,  Greenson,  J.,..., Varley,   J.   (2010). Randomized, controlled trial of an intervention fortoddlers with autism: the Early Start Denver Model. Pediatrics, 125, 17–23.

Didden, R., Korzilius, H., Van Oorsouw, W., & Sturmey, P. (2006). Behavioraltreatment of challenging behaviors in individuals with mild mental retardation:Meta-analysis   of   single-subject   research.American   Journal  of MentalRetardation, 111, 290–298.

Grigorenko, E. L; Torres, S.; Lebedeva, E. I.; Bondar, Y. A. (2018). Evidence-based  intervention for ASD: a focus on applied behavior analysis intervention. Journal of Higher School of Economics, 15 (4), 711-727.

Lovaas, O.  I. (1987). Behavioral  treatment and normal  educational and intellectual  functioning in young autistic children. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 55, 3–9

Koegel, R. L., & Koegel, L. K. (2012). The PRT pocket guide. Baltimore, MD: Brookes